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Foto do escritorPatrícia Napolitano

High Tech, High Touch

Desde que iniciei meu primeiro estágio numa agência de propaganda, em São Paulo, no ano 2000, já montava slides de Power Point onde fundamentávamos campanhas de comunicação explicando que, quanto mais apelo tecnológico um produto ou contexto de consumo tivesse, maior seria a necessidade e a adequação de elementos humanizados na comunicação, com apelos que remetessem às relações humanas, acolhimento e elos afetivos. A teoria, que abreviávamos com “High Tech - High Touch”, emerge mais de 20 anos depois, das minhas lembranças para confirmar: a tecnologia estimula a valorização dos aspectos humanos e gradualmente temos a chance de colocarmos ênfase no desenvolvimento destes aspectos em nossa vida, já que as máquinas vêm dando conta de tantas tarefas por nós. O que chega a intrigar, ou talvez até indignar, é notar que ainda não conseguimos nos organizar socialmente para desfrutar dos recursos mais preciosos que a tecnologia, em tese, nos disponibiliza. O principal deles: tempo. Parece que seguimos trabalhando tantas ou mais horas que nossos ancestrais, embora todo um set tecnológico nos permita resolver as mesmas coisas em muito menos tempo. Resquícios de um sistema econômico voltado para a ação, produção e desempenho… Mas ao que tudo indica, agir e pensar são habilidades nas quais a tecnologia vem substituindo mulheres e homens, o que abre espaço para passarmos a perceber outras capacidades da nossa espécie e questionar-nos sobre o que nos faz humanos, ou ainda, o que faria de nós grande seres humanos. As funções psicológicas destacadas por Roberto Assagioli, fundador da Psicossíntese, destacam: pensamento, imaginação, intuição, sensação, emoção e impulso. Olhando para elas, confirmo minha convicção de que a beleza do ser humano e os mistérios da experiência de estar na vida estão a salvo. Quanto mais Inteligência artificial existir, vejo que se intensifica o convite para conhecermos mais e mais a fundo nosso mundo interior e aquilo que faz de cada um de nós um ser único e insubstituível. Segundo Assagioli, temos essas 6 portas para circular por dentro de nossos palácios psíquicos. Para os que toparem embarcar nos passeios por dentro de si, talvez a tecnologia possa parecer menos ameaçadora, mas para os que circulam mais intensa e exclusivamente pelo lado de fora, considerando a vida como um conjunto de fatos que acontecem lá, e não aqui, algoritmos podem manipular e tornar a tecnologia um perigoso risco ao sentido da vida. Parece que a revolução tecnológica vem nos dar um ultimato: ou entramos em nós mesmos e trazemos para a superfície a pérola do que é SER humano, ou a vida nos dá um caldo e nos afogamos em informações frias que nos são abundantemente ofertadas, com os mais diversos tipos de motivação possível, entre seduzir-nos ao consumo, ao engajamento de causas, mais ou menos nobres, à esperança de de conectar-nos a outras pessoas ou chamar a atenção delas para sentirmos as três sensações de ouro, segundo os estudiosos da nossa humanidade: a confirmação de sermos vistos, amados e pertencermos a um grupo.


Assim, chego a uma reflexão talvez simplista, mas partilho com carinho. A tecnologia, assim como toda arma afiada, abre caminhos nas matas, tem poder de desbravamento ferozes, inclusive no contexto de descobrirmos mais de quem somos. Seu efeito turbo, faz luz e sombra. Acelera, mas também apresenta risco de colisão. Ser gente hoje em dia, é para os fortes. Existe uma linha tênue entre ser zumbi e estar antenado. É possível colher de tudo. Então, é mais do que necessário saber ler, não apenas as notícias, os rótulos, as bulas, mas ler a si mesmo, os pedidos do corpo e da alma.


Espero e desejo que não sejam muitas as gerações até que as escolas passem a ter em seus programas esse tipo de alfabetização. Que possamos passar às próximas lições: leitura de si e leitura do outro. Assim, finalmente teremos uma chance de usar todo esse poder que a tecnologia carrega, não para tudo e pra qualquer lado, como um tiroteio, mas para aquilo que é realmente necessário. Na correta proporção, na direção do propósito que nos guia como humanos que somos.



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