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Branquitude acrítica e branquitude crítica: por que é importante diferenciá-las?

Atualizado: 22 de nov. de 2021

Infelizmente, ainda é muito comum ouvirmos pérolas do tipo “racismo é um problema dos negros”. A cada 10 vezes que esse desatino é proferido, 12 vezes sai da boca de um branco.


Em 1952, o pensador caribenho e africano com sua publicação Pele Negras Máscaras Brancas, defendeu a tese da abolição da raça. Sua preocupação era a de quebrar o cárcere da identidade racial que impede a pessoa a reconhecer-se única e suficientemente humana. Assim, brancos e negros estariam livres de sua branquitude e negritude, respectivamente.


É importante destacar aqui que a teoria antirracista, de uma forma ampla, se restringe a colocar luz nas pesquisas em torno do oprimido, deixando de lado o agente opressor. Assim, é entendido, erroneamente que a opressão é somente um “problema do oprimido” em que o opressor não deve se preocupar com o mal que causa. Que mal?


É com essa última pergunta que provoco minha reflexão acerca da minha própria branquitude.


Por muitos anos, me identificava com o consenso de que a identidade racial à qual eu pertenço, branca, não era diversa. Não me entendia como branco ou, apenas me definia dessa forma no preenchimento de formulários de censo ou de cadastros que exigiam essa autodeclaração. Assinalava “branco” a contragosto, pois olhava para minha ancestralidade e conseguia identificar pessoas negras, indígenas e brancos.


Ao mergulhar nos estudos de raça e gênero, percebi que a construção da branquitude é real e feita a partir de um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos e objetivos, ou seja, palpáveis, pois são visíveis na construção da nossa sociedade que discrimina, violenta e mata pessoas com base no racismo.


A socióloga britânica, Ruth Frankenberg define a branquitude como “um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros, e a si mesmo, uma posição de poder, um lugar confortável do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo”.

Assim, mais consciente da construção social da qual faço parte que define a minha cor branca como a detentora de privilégios e poder em relação a pessoas de outras cores, me deparei com uma das mais importantes decisões da minha vida em relação à minha identidade racial: ser um homem branco acrítico ou crítico.


Quero analisar esses dois tipos distintos e divergentes de branquitude: a crítica, ou seja, aquela em que o sujeito branco desaprova e repudia, combate o racismo publicamente; e a acrítica (o prefixo grego ‘a’ já aponta o lado do sujeito que escolhe a segunda), não desaprova o racismo, mesmo quando não admite seu preconceito racial e racismo, essa branquitude acrítica sustenta que ser branco lhe dá uma condição especial, o coloca em uma posição hierárquica superior a todas as pessoas não-brancas.


Esses dois termos (crítica e acrítica) vinculados à palavra branquitude, surgiram a partir dos “critical whiteness studies” que foram linhas de pesquisas dos Estados Unidos e do Reino Unido que procuraram descobrir e diferenciar os diferentes tipos de racismos, desde os micro violentos (praticados, por exemplo, com a suposição de incompetência) até os sanguinários perpetrados por grupos extremistas como a Ku Klux Klan.


Assim como as práticas do racismo, os autores dos “critical whiteness studies” reforçam que existem muitas formas de branquitude. Mas os pesquisadores geralmente se restringem a esses dois: o defendido por grupos neonazistas com agressões físicas chegando até a homicídios e aquele que é estrutural, praticado, às vezes sem intenção, por um profissional de Recursos Humanos de uma empresa, por exemplo, quando, inconscientemente contratam mais pessoas brancas para cargos estratégicos.


Da mesma forma que é preciso diferenciar as práticas de racismo, não se pode deixar de distinguir a pessoa que pratica racismo. É essa a importância de nomear os nossos problemas, conceituar de maneira bastante distinta a branquitude crítica e a branquitude acrítica. Assim, caminhamos, enquanto sociedade para uma melhor observação, análise, pesquisa e debate do conflito racial.


Peço licença para parafrasear um autor nascido pobre, negro e epilético, que se tornou cânone literário brasileiro, Machado de Assis: “O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito desfaz-se; basta a simples reflexão.”


Já é passada a hora de refletirmos! A história já foi editada muitas vezes. Os novos capítulos da nossa história devem ser escritos com transparência, justiça e crítica, muita crítica!


Felipe Requião

Homem, branco, heterossexual, cisgênero, casado e pai. Consciente dos seus privilégios sociais, promove a D&I por meio da sua voz.

Graduado em Administração de Empresas pela PUC-SP com MBA em Gestão de Negócios pela FGV-SP e Coach Ontológico, em formação pela New Field. Facilitador de processos circulares com base na Justiça Restaurativa e Comunicação não violenta.

20 anos de experiência no ambiente organizacional: Coca-Cola FEMSA, Kraft Foods, Reckitt Benckiser, MARS PetCare e MARS-Wrigley, BRF e Perfetti Van Melle.

Fundador da HORAGÁ, uma consultoria em diversidade, em Março de 2021.

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