O mundo mudou...
E escrevemos assim, sem ponto final, porque ele realmente não existe: o mundo mudou e continua mudando, a cada instante, em cada esquina, a cada ação. Uma dinâmica infinita que leva e traz pandemias, transformações digitais, mudanças de comportamentos, exigências profissionais e sociais, multitarefas e multipapéis. Estamos no meio da Teoria da Complexidade de Edgar Morin com os cenários descritos pelo Snowden no seu Cynefin (simples, complicado, complexo e caótico). Muitos desses cenários se apresentam sem referências anteriores, o que quer dizer, que não temos ponto de comparação para nos agarrar. A lógica é outra ou inexiste – pelo menos como a conhecíamos. O tempero final? a velocidade! Cada vez mais presente e profunda.
No meio disso tudo, nós, que continuamos humanos, com nossos corpos e cérebros humanos, tentando desesperadamente surfar essas ondas do imprevisto, da incerteza, da insegurança e da cobrança infinita. O pacote inclui culpa por ser incapaz de acompanhar isso tudo no ritmo exigido, ansiedade e esgotamento físico e mental, apenas para citar os principais sintomas dessa realidade doente. Não é uma sensação, os números comprovam e assustam! Segundo a Organização Mundial da Saúde, existem no Brasil 11,5 milhões de pessoas que sofrem de depressão e até 2030 essa será a doença mais comum no país. Isso nos deixa numa posição de liderança perversa no ranking mundial, junto com os números da ansiedade e do burnout. Estamos no topo.
O custo social desses números é difícil de calcular. Considerando estudos que apontam que aproximadamente 70% dos trabalhadores brasileiros sofrem de estresse no trabalho não é difícil entender que 3,5% do PIB é perdido com custos dessa origem que englobam, além de tratamento, afastamentos e perda de produtividade. Isso apenas para trazer à tona o viés do trabalho, mas sabemos que as consequências permeiam todas as esferas e adoecemos na nossa vida e nas nossas relações.
“Quando experimentamos sentimentos positivos, a mente representa mais do que bem-estar, representa também bem-pensar. Assim, sentir tristeza não diz respeito apenas ao mal estar, mas também ao mau pensar”(Damásio, 2003). Gosto desta citação porque ela traz de forma intrínseca, a urgência e a abrangência do problema.
Olhar para nós com cuidado profundo nunca foi tão necessário. Olhar sem medo, de frente, com a coragem de quem aceita a realidade mas não se conforma com ela. De quem sabe que é preciso agir. Agora. Talvez por isso alguns autores já encaram o autocuidado como um ato político e social de extrema urgência.
Esse “cuidar de mim”, o autocuidado, não deixa de ser transgressor, na medida que propõe um caminho reverso, uma pausa no caos, um desvio na rota do “pra fora” para escolher o caminho das minhas necessidades internas, tão básicas, porém, tão esquecidas.
Embora seja um movimento coletivo e social, o “cuidar de mim” é um ato solitário, porque somente o indivíduo pode responder pelas suas próprias dores. Cuidar do corpo físico, esse que me acolhe e carrega, cuidar das relações que me nutrem, cuidar da minha mente e do que me dá prazer verdadeiro, cuidar do meu tempo, cuidar das minhas conexões com o espiritual, mesmo sem religião, manifestado numa simples contemplação de um amanhecer. Isso é oxigênio. Sem esse cuidado, definhamos e desaparecemos na velocidade do caos vivido num piloto automático. Sem o cuidar, amortecemos, não sentimos e, portanto, não existimos.
Que possamos trazer essa consciência para nossas vidas e de todos que nos importam. Façamos uma revolução silenciosa e poderosa. A revolução do cuidado.
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