Cuidar de si, dos outros e do ambiente. Um conjunto de atividades fundamentais para garantir a saúde e bem-estar das pessoas (crianças, idosos, pessoas saudáveis ou doentes) e incluir no pacote, o autocuidado. Mas também incluir os afazeres domésticos: limpar a casa, preparar alimentos, pensar e fazer as compras de supermercado, cuidar da roupa, preparar as refeições, lembrar de consultas médicas e providenciá-las, cuidar da educação de filhos, acompanhar os estudos e organizar a rotina da família. Estamos falando de Economia do Cuidado.
E quando falamos da Economia do Cuidado, estamos falando de trabalho, e de um trabalho fundamental para a existência da humanidade, um trabalho que garante a sobrevivência da própria sociedade. Apesar da sua inegável relevância, esse é um trabalho invisível, principalmente sob a ótica do sistema capitalista tradicional que considera a produtividade como a participação efetiva na cadeia da macroeconomia. Um paradoxo de difícil compreensão: é a economia do cuidado que possibilita a existência do sistema, porém, o próprio sistema não a reconhece.
Dentro da Economia do Cuidado encontramos o trabalho não remunerado e doméstico - realizado majoritariamente por mulheres como imposição cultural – e o trabalho de profissionais (cuidadores e domésticos), geralmente, mal remunerado e com fragilidade de direitos sociais. Vale a pena analisar alguns dados que ilustram uma realidade que grita por mudanças!
Um estudo publicado pela Oxfam, uma organização não governamental britânica, aponta que as mulheres gastam em média, 4,5 horas do dia fazendo trabalho não remunerado, enquanto os homens gastam metade desse tempo. São 12,5 bilhões de horas, todos os dias, dedicadas por mulheres e meninas ao trabalho de cuidado não remunerado. Isso significa uma contribuição de pelo menos 10,8 trilhões de dólares ao ano à economia global, o que por sua vez, dá mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.
Os dados da diferente participação entre homens e mulheres na Economia do Cuidado é reforçado pelo artigo publicado no New York Times que traz o levantamento da realidade do trabalho em alguns países: Na França, as mulheres passam 224 minutos fazendo trabalho não remunerado, enquanto os homens passam 134,9. Em Portugal, são 328,2 minutos das mulheres para 96,3 dos homens. Na Coreia, são 215 minutos das mulheres contra 49 minutos dos homens.
O Brasil não entrou nesse estudo, mas basta uma simples análise superficial para entender que por aqui, a disparidade é ainda maior. O Laboratório Think Olga aponta que, nos primeiros seis meses de vida de um bebê, a mulher passa aproximadamente, 650 horas amamentando (em média cada mamada dura entre 15 a 20 minutos e isso acontece entre 8 a 12 vezes por dia). O estudo também chama a atenção à “Carga Mental” que engloba esse estado de alerta e atenção constante com o gerenciamento e execução das tarefas domésticas e profissionais.
Toda crise escancara e amplifica as desigualdades e com a pandemia não foi diferente: as mulheres foram realmente afetadas com os impactos socioeconômicos que ela nos trouxe. De uma hora para outra percebemos como é nossa vida sem creches, sem escolas, sem ajudantes domésticos. Nahla Valji, conselheira sênior de gênero da secretaria geral da ONU, exemplifica muito bem esse cenário quando fala que “Nossa economia formal só é possível porque é subsidiada pelo trabalho não remunerado das mulheres”. E continua apontando a desigualdade de gêneros nesse contexto: “Isso acontece porque em todos os países mulheres ganham menos, guardam menos [dinheiro] e são mais propensas a ter empregos precários, com pouca ou nenhuma segurança ou proteção”.
Sabemos que a participação masculina nas tarefas do cuidado vem aumentando e alguns movimentos de homens que questionam a parentalidade e o seu papel nela tem acontecido com certo sucesso, porém, ainda há muito do que falar e fazer e as diferenças continuam sendo enormes.
Outro dado importante vem da Organização Internacional do Trabalho, que traz, no seu último relatório, o número de pessoas que demandam serviços de cuidados: um universo que chegará aos 2,3 bilhões de pessoas em 2030, fruto, entre outras coisas, do envelhecimento da população.
A iminência de um novo olhar para a Economia do Cuidado e, principalmente, para acabar com a sua desigual distribuição de responsabilidades deve passar pelo reconhecimento social, político e econômico desses trabalhos, pela distribuição mais equitativa dessa prática entre gêneros, e pelo reconhecimento dos trabalhadores terceirizados nessas tarefas, com salários dignos e garantia de direitos. O Estado precisa fazer o seu papel e algumas iniciativas já estão acontecendo em diferentes países, como o reconhecimento de alguns anos para aposentadoria por cada filho. Mas ainda há muito o que fazer.
E qual o papel das empresas nesse contexto? Mais uma vez, a responsabilidade social das organizações assume seu lugar. Programas que tragam reais ganhos às comunidades onde essas empresas estão inseridas são premissas urgentes. As bases ESG entram no jogo com força total e os conceitos de equidade assumem um lugar preponderante. Entender o valor da diversidade e da inclusão passa a ser estratégico e um olhar aprofundado no trabalho da mulher com sua inserção na Economia do Cuidado e suas consequências é realmente urgente.
O cuidado será um divisor de águas no mar dos paradigmas que teremos que enfrentar e reinventar.
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