Gosto de histórias porque elas são, em última instância, tudo aquilo que nós temos. Porque elas sempre revelam, de algum modo, o melhor e o pior de nós. Porque, na pior das hipóteses, sempre há nelas o que aprender (e não raro de muito valor).
Intriga-me o quanto as pessoas desconhecem o quão incrível é a sua própria história. Tive a sorte de aprender muito jovem o poder da minha, e por isso me intriga tanto - e até entristece - o quanto o mundo reserva pudores às suas.
Aprendi que nossas histórias não farão sentido para todo mundo. É natural. Mas parece haver gente no mundo que precisa só do filtro de nossa história para dar um passo adiante. E é por elas - e por nosso amadurecimento - que devemos contá-la.
Afinal, nossa história não é, no fim, só nossa, mas uma colcha de cooperação tecida com retalhos dos encontros, das colaborações - como o nome sugere, do labor compartilhada de nossa jornada.
Dez anos atrás eu era estudante de Jornalismo e caminhava para a metade do curso. Lembro até hoje de quando, tendo ficado em terceiro lugar no remanejamento da UFPE por 0,25 ponto, me entristeci ouvindo “Loser”, do Axia (desse vinil de capa rosa, de 1986: https://www.youtube.com/watch?v=psWHxY8nod8).
Era uma espécie de mérito intelectual que não alcancei. Apesar de saber que não teria dinheiro para arcar com um curso privado à época, o que me aborrecia, na verdade, não era isso. Era o demérito que eu via em não ter conseguido aprovação. Especialmente porque, nascendo e crescendo na periferia, com grana e oportunidades curtas, entendi logo cedo que - pobre, feito e desengonçado - o único instrumento que eu tinha para superar o mundo era o intelecto. E esse era um golpe justo nessa vaidade.
Importava o título, e nisso eu havia falhado. Miseravelmente. Tanto que, dias depois, recebi a notícia de bolsa integral numa instituição privada. Era início do ProUni e eu estaria com o Ensino Superior garantido. Mas a sensação de fracasso era a mesma: não havia ali o mesmo status.
Mal sabia eu o que me esperava. Um terço do que eu sou não existiria se estivesse na Federal, e não ali. Talvez não houvesse a láurea, que por um tempo foi meu consolo. Nem os trabalhos em conjunto com pessoas que me levaram ao Mestrado - e a Salett - na UFRPE: a única instituição de ensino por qual até hoje nutro afeto.
Aliás, eu sequer estaria casado. Afinal, foi naquela instituição privada que conheci Andrea - como minha professora - e nos aproximamos quando eu a convidei para colaborar comigo em um projeto de oficinas de comunicação para casas de acolhimento para jovens em situação de rua.
Mas esse é outro ponto. Por enquanto, guarde na memória as colaborações até aqui.
Em 2009, bolsista em Comunicação Social, eu tinha acabado de passar por uma oficina do Itaú Cultural. E foi lá que conheci o Overmundo - meu ingresso definitivo para a produção profissional de conteúdo digital e entrada para a produção colaborativa. Eu ainda não sabia, mas aquilo seria uma teia sem fim de histórias que viveria.
Anos antes eu já estava conectado ao digital e à colaboração via web. Meu primeiro emprego foi aos 15 - como técnico em eletrotécnica. E apesar de ter conhecido ali o pior chefe da minha vida, foi essa grana que me permitiu - além de comprar pastel e “guaraná do Amazonas” - adquirir meus primeiros CDs e negociar com minha mãe horas a mais
na internet discada (que usava fazendo download e upload de álbuns em um fórum de música). Depois disso, criei e vendi alguns blogs. Todos feitos no Blogger, personalizando templates prontos com o básico que aprendi de HTML como autodidata. Apesar disso, tudo era mais hobby que qualquer outra coisa. Foi só o Overmundo que me fez ver ali uma ligação entre esses mundos colaborativos.
Eu dividia um blog de poesia (e prosa) com Rodrigo Ribeiro (o Liberdade Aprisionada), que conheci naquele fórum de música que citei, após colaboramos trocando música, e passei a publicar meus textos no Overmundo. Empolguei-me: além dos versos, joguei ali algumas resenhas (de livros e de discos). E foi em uma resenha do primeiro CD solo de Isaque Soares (do Krig, uma banda mineira de metal) que veio a surpresa.
Hermano Vianna - isso mesmo, o jornalista e antropólogo, irmão de Herbert, o cara que eu sempre admirei pelo talento para desbravar a música e a nossa identidade - deixou um comentário. Ele falou do quanto curtiu aquele disco instrumental de samba de um guitarrista de death metal. Não parou por aí: elogiou meus textos - as poesias - deixados por lá e brincou sobre como soariam num drone (efeito de soar a guitarra de modo lento e com grande reverberação) do Sunn O))) ou do Merzbow (duas bandas experimentais que utilizam a sonoridade drone). Guardo esses prints até hoje.
Se ele pudesse ler este texto agora, certamente eu responderia que aqueles versos soariam até melhor na ambiência de um trabalho do Sunn O))) com o Boris, como “Altar” (um disco experimental de colaboração entre essas duas bandas, uma do Japão e outra dos EUA). Mas isso não tem importância. O que importa, mesmo, é a capacidade dessa história de reverberar em mim todo esse tempo depois. Especialmente com tanta gente - tão distante entre si - conectada. Sem contar as que ficaram omissas nesta escrita.
Esse é o poder da colaboração.
A gente nunca sabe, quando começa uma história, o quanto ela vai reverberar. Nem quantas pessoas terão parte nessa narrativa até que a transformemos em um produto acabado - como este texto, nosso emprego atual, nosso novo negócio. Mas é fato que nossa história vibra: como a música. Inspira. E atrai pessoas na mesma frequência para construir arranjos ainda mais ricos.
Dez anos depois, um comentário de Hermano, que até hoje me é referência, me marca. Um comentário em uma plataforma que ele co-criou - com a colaboração de tanta gente - e que me guiou por lugares e pessoas que não imaginei existirem.
A gente não faz ideia do quanto pequenos gestos de colaboração impactam o mundo. Mas eles o fazem. A genuína cooperação nasce da diversidade, e essa é a verdadeira mágica: estar em ambientes de pessoas distintas me permite receber de cada uma o que me falta e oferecer o que precisam. Há muito poder nisso. Embora, muita vezes, essa teia só ganhe sentido quando vista do retrovisor.
Jefte Amorim
Professor, jornalista e mestre em Desenvolvimento Local. CEO da Dialógica Comunicação Estratégica, tutor do Laboratório de Comunicação da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS) e professor da especialização em Jornalismo Independente e do MBA em Marketing Digital da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Expert em Storytelling para Vida e Negócios e professor da Escola Humana.
55 81 99612-4157
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